Artigos | Postado no dia: 29 julho, 2025
Processo médico: entenda por que a documentação é sua melhor defesa
A prática da medicina no Brasil se tornou um campo de alto risco, e não apenas pelos desafios clínicos. Um fantasma ronda consultórios e hospitais: a judicialização. Os números revelam uma verdadeira epidemia de processos judiciais que ameaçam a carreira e a estabilidade emocional de milhares de profissionais da saúde em todo o país.
Contrariando o senso comum, a maioria esmagadora desses processos não se origina em falhas técnicas grosseiras ou imperícia durante um procedimento. A verdadeira vulnerabilidade dos médicos reside em uma área frequentemente negligenciada: a comunicação com o paciente e, principalmente, a qualidade da documentação de cada atendimento.
O crescimento alarmante da judicialização na saúde
A “judicialização da saúde” é o termo usado para descrever o fenômeno crescente de pacientes que buscam no sistema de Justiça a resolução para suas queixas. Os dados recentes mostram que essa busca se intensificou de forma dramática, criando um ambiente de insegurança para os profissionais.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil viu um aumento de 506% no número de ações por responsabilidade médica, um salto que acende todos os sinais de alerta.
Colocando os números em perspectiva, a média diária chega a mais de 200 novos processos, um volume que sobrecarrega os tribunais e desgasta a relação médico-paciente.
O cenário é tão crítico que o volume de ações judiciais já se aproxima do número total de médicos registrados no país, indicando que a probabilidade de um profissional enfrentar um processo ao longo da carreira é extremamente alta e real.
Esse fenômeno gera consequências graves que vão além do profissional processado. Ameaçados pela possibilidade de um litígio, muitos médicos passam a praticar a chamada “medicina defensiva”, solicitando exames em excesso e adotando procedimentos mais conservadores, o que eleva os custos para todo o sistema de saúde.
A causa real dos processos: muito além do erro técnico
É preciso entender que, em um tribunal, a percepção de um juiz é moldada pelas provas apresentadas, e não pela complexidade técnica do ato médico.
Por isso, a principal causa de condenações está na falha em demonstrar o cumprimento do dever de cuidado e informação, o que manifesta, principalmente, em uma comunicação deficiente com o paciente e seus familiares.
Um dos pontos mais sensíveis é a gestão de expectativas. Quando o paciente não compreende plenamente os riscos inerentes a um tratamento, as possíveis complicações e as limitações do resultado, qualquer desfecho que não seja a “cura total” pode ser interpretado como falha.
A resposta da instituição ou do profissional a um evento adverso também é decisiva. Uma comunicação fria e defensiva ou a ausência de um canal de escuta empático podem ser o estopim para um processo, mesmo quando não houve erro.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a segurança do paciente é um desafio global, e a transparência na comunicação após um incidente é uma das principais ferramentas para mitigar danos e evitar a judicialização.
Muitas vezes, a ação judicial não busca apenas uma compensação financeira, mas uma resposta que não foi dada, um pedido de desculpas que não foi feito ou um acolhimento que foi negado.
Neste contexto, a humanização do atendimento e a criação de protocolos claros para lidar com eventos inesperados são, portanto, estratégias essenciais de prevenção de litígios, mostrando que o cuidado com o paciente continua mesmo quando as coisas não saem como planejado.
O prontuário médico como protagonista no tribunal
Quando um caso chega à Justiça, o prontuário médico deixa de ser um simples registro clínico e se torna o principal documento de defesa ou acusação.
É por meio dele que o juiz e os peritos irão reconstruir os fatos e avaliar se a conduta do profissional foi adequada. Portanto, um prontuário incompleto ou mal preenchido é um convite à condenação.
A fragilidade da defesa, muitas vezes, é revelada em anotações vagas e subjetivas. Expressões como “paciente passa bem”, “procedimento sem intercorrências” ou “quadro estável” não possuem valor jurídico, pois não apresentam dados objetivos que sustentem a afirmação.
Já um prontuário robusto, por outro lado, descreve detalhadamente os sinais vitais, as respostas do paciente, os exames analisados e o raciocínio clínico que justificou cada decisão tomada.
O Conselho Federal de Medicina (CFM), em sua Resolução n. 1.638/2002, define o prontuário como um documento valioso para o paciente, para o médico e para a Justiça, estabelecendo normas claras para sua elaboração.
A máxima jurídica de que “o que não está nos autos, não está no mundo” se aplica perfeitamente aqui. Se uma informação crucial não foi registrada, para o juiz, ela simplesmente não aconteceu, tornando impossível provar a diligência e o cuidado empregados.
A importância do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
Outro documento vital para a segurança jurídica do médico é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Mais do que uma formalidade burocrática, o TCLE é a materialização do dever de informação e do respeito à autonomia do paciente. Ele prova que o paciente consentiu com o procedimento após ter sido devidamente informado sobre seus objetivos, riscos, benefícios e alternativas.
O erro mais comum é a utilização de formulários genéricos, que não detalham os riscos específicos do procedimento em questão ou as particularidades do paciente. Um TCLE que serve para tudo, na prática, não serve para nada e pode ser facilmente invalidado em um processo judicial.
O Código de Ética Médica, em seu capítulo IV, deixa claro que é vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado.
A correta elaboração e a aplicação do TCLE são algumas das mais poderosas ferramentas de defesa, pois demonstram boa-fé e transparência, elementos altamente valorizados pelo Judiciário e que podem ser decisivos para o desfecho de uma ação.
Como a advocacia preventiva pode proteger sua carreira médica
Diante de um cenário tão complexo, esperar um processo acontecer para, então, buscar um advogado é uma estratégia reativa e perigosa.
A solução mais inteligente e eficaz é a advocacia preventiva, uma abordagem proativa que visa identificar e mitigar os riscos jurídicos antes que eles se transformem em um litígio.
Além da revisão de documentos, a advocacia preventiva atua na capacitação da equipe. Treinamentos sobre como preencher corretamente o prontuário, como conduzir o processo de consentimento informado e como se comunicar de forma empática e segura com os pacientes criam uma cultura de segurança jurídica.
Investir em advocacia preventiva não é um custo, mas uma proteção essencial para sua carreira e sua tranquilidade.
Se você deseja exercer a medicina com mais segurança, o primeiro passo é buscar uma assessoria jurídica especializada para realizar um diagnóstico completo de suas práticas.